11 maio 2020

Dia das mães

Ontem foi dia das mães, o primeiro desde que Ivo veio ao mundo. Eu não contei pra ninguém até hoje que ele teve um nome... no momento em que entendi que existia uma vida surgindo de dentro de mim tentei não humanizá-lo, acho que para não tornar real aquela possível vida, possível infância, possível adolescência e uma possível mudança de tudo o que eu entendo da minha própria vida. Mas foi impossível. Ele existia, já tinha mudado toda a forma como eu vejo o mundo e nunca deixaria de ter existido, mesmo que por um breve tempo.

E então eu imaginei tudo: em como ele teria sido uma criança linda. Provavelmente com a pele de cor de café pouco torrado, uma mistura entre eu e o pai. Olhos e sorriso grandes, energia pra não acabar mais. É meio doido, mas eu tenho certeza de que era um menininho. E tudo isso me faz sorrir.

Eu não me arrependo de ter interrompido a gravidez. Não sinto que preciso me explicar sobre isso, mas sei que poucas pessoas poderiam não me julgar por isso.
O processo desde de descobrir que estava grávida, até ir à clínica, foi tudo da forma mais digna que poderia ter sido no país em que estamos. Descobri logo no início -era impossível não descobrir, todo o meu corpo estava mudado. Pude pagar pelo procedimento mais seguro possível. O médico foi decende e respeitoso. O pai esteve ao meu lado.

Nada disso tira o fato de que ser ilegal, trouxe muito medo de acontecer algo, desde morte à prisão. Foram dias horríveis. No meio do carnaval lá estava eu, nunca havia me sentido tão solitária, com tanto medo e tão vulnerável quanto naqueles dias. Não sabia se poderia pagar pelo procedimento ainda. Estive em grupos ditos feministas, para apoio a mulheres que fariam ou que já fizeram um aborto, mas lá elas vendiam os remédios e caso alguém perguntasse sobre procedimentos diferentes, havia repressão. Aí entendi que na verdade aquilo era só um mercado coberto por um discurso de uma luta que levo comigo, e que não tem nada a ver com o que existia lá dentro.

Mais medo. Será que é seguro? Será que eu já não devia comprar os remédios? E se eu tiver uma hemorragia e precisar ir pro hospital? Se não morrer vou acabar sendo presa. Meu deus, a minha família jamais entenderia o que estou fazendo! E se eu machucar o bebê e ele acabar tendo uma vida sem saúde por minha culpa?
"Aqui no grupo te deixaremos livre novamente, seja bem vinda!"
É isso que elas acham que estão fazendo? -penso.

Felizmente tive orientação, descobri que os remédios são perigosos. Aí eu entendi quando falam que as mulheres que morrem em um procedimento são as mulheres pobres. Quem tem dinheiro paga métodos seguros (os remédios são cerca de 7 a 10 vezes mais barato do que ir a uma clínica).
Não foi fácil financeiramente pra mim, mas ali eu também entendi aspectos sociais e meus privilégios, e também fiquei triste por quem não pôde fazer como eu.

Quando ainda estava acordando dos remédios que me deram pra dormir, ainda drogada, perguntei se poderia ver o bebê.
- O feto? -perguntou a enfermeira.
- Sim, quero ver ele.
- Não pode, vou te levar pro quarto.

Até hoje me pergunto o motivo pelo qual quis vê-lo. Acho que não queria que a sua existência tivesse sido em vão. Será que eu teria rezado? Por quê às vezes meio que sinto a sua existência?
Sabe, ele faz falta. Eu sinto saudades, vontade de ainda tê-lo por perto.

Nada do que já senti por qualquer pessoa, situação ou lugar, chega perto do que senti e sinto por Ivo. Dou o nome a isso de amor.

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